quinta-feira, 9 de junho de 2011

A Caatinga nordestina é rica



A afirmativa é o resultado de um estudo desenvolvido por uma equipe de 35 pesquisadores publicada no livro Ecologia e Conservação da Caatinga. “O estudo e a conservação da diversidade biológica da Caatinga é um dos maiores desafios da ciência brasileira”, explica Marcelo Tabarelli, professor de Botânica da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e diretor do Centro de Pesquisas Ambientais do Nordeste (CEPAN). “Há vários motivos para isso. A Caatinga é o bioma menos estudado do Brasil, com grande parte do esforço científico concentrado em alguns poucos pontos em torno dos principais pólos urbanos. Também é a região menos protegida, com apenas 2% do seu território coberto por unidades de conservação. Há séculos acompanhamos seu extenso processo de alteração e deterioração ambiental, provocado pelo uso insustentável de seus recursos naturais. Tudo isso leva à rápida perda de espécies únicas, à eliminação de processos ecológicos-chave e à formação de extensos núcleos de desertificação em vários setores da região”.

A Caatinga estende-se por 800.000 km2 do nordeste brasileiro, incluindo os estados do Ceará, Rio Grande do Norte, a ilha de Fernando de Noronha, a maior parte da Paraíba e Pernambuco, o sudeste do Piauí, o oeste de Alagoas e Sergipe, a região norte e central da Bahia, e uma faixa que passa por Minas Gerais seguindo o rio São Francisco juntamente com um enclave no vale seco do rio Jequitinhonha. Quase 30 milhões de pessoas vivem e dependem da biodiversidade dessa “floresta branca” (tradução do termo Caatinga - em Tupi-guarani), que caracteriza bem o aspecto da vegetação na estação seca, quando as folhas caem e apenas os troncos brancos e brilhosos das árvores e arbustos permanecem na paisagem.

Os fenômenos catastróficos

Comparada a outras regiões brasileiras, a Caatinga apresenta muitas características meteorológicas extremas: a mais alta radiação solar, baixa nebulosidade, alta temperatura média anual, baixas taxas de umidade relativa, e, sobretudo, precipitações baixas e irregulares, limitadas, na maior parte da área, a um período muito curto no ano. Fenômenos catastróficos são muito freqüentes, tais como secas e cheias, que, sem dúvida alguma, têm modelado a vida animal e vegetal particular da Caatinga.

Assim, as espécies que habitam o bioma tiveram que encontrar maneiras de se adaptar ao ambiente semi-árido. As mais típicas dentre as 932 espécies de plantas existentes na Caatinga são prova dessa adaptação. A suculência é uma das principais características fisiológicas observadas nas plantas da Caatinga, o que lhes permite suportar o período das secas. Órgãos de armazenamento de água são típicos em alguns casos como o do umbuzeiro (Spondias tuberos), das barrigudas (Cavanillesia arborea), das maniçobas (Manihot spp.), do pau-mocó (Luetzelburgia auriculata), do xique-xique (Pilosocereus gounellei), do mandacarú (Cereus jamacaru), dentre outras.

Estima-se que a vegetação da Caatinga não tenha se alterado por um período muito longo, como indicam as evidências geológicas. Dessa forma, um acentuado grau de endemismo, ou seja de espécies que só existem lá e em nenhum outro lugar, pode ser observado na flora e em alguns grupos da fauna, como as aves. Em levantamento recente, liderado por José Maria Cardoso da Silva, vice-presidente da Ci-Brasil (Conservação Nacional fundada em 1987 com objetivo de salvar o patrimônio natural do planeta) e co-autor do livro, existem 516 espécies de aves na Caatinga, das quais 469 se reproduzem na região. Entre as espécies que se reproduzem na região, 284 (60,5%) dependem de florestas para sobreviver. “Somente 14% da superfície da Caatinga são cobertos por florestas, mas essas pequenas áreas ajudam a manter quase dois terços das espécies de aves aí existentes. Este resultado demonstra a importância das florestas da região e é um dado importante para as políticas de conservação do bioma”, explica Silva.

A Fauna da caatinga

Até a metade do século passado, os mamíferos da Caatinga eram analisados segundo amostras bastante reduzidas, que indicavam uma fauna relativamente pobre, restrita a 80 espécies na última atualização, em 1989. A baixa diversidade e a ausência de adaptações fisiológicas para as condições áridas, levaram os pesquisadores a concluir que a fauna de mamíferos da Caatinga consistiria, em sua maior parte, em um subconjunto da fauna do Cerrado.

Recentes revisões desses levantamentos mostram que a fauna da Caatinga se distingue daquelas das populações de outros ecossistemas. Hoje podemos listar 143 espécies de mamíferos, dentre eles: pelo menos 10 espécies de marsupiais; 64 espécies de morcegos; 34 espécies de roedores; uma espécie de lagomorfa (tapiti); 14 espécies de carnívoros; quatro espécies de Artiodactyla (catetos, queixadas e veados), uma espécie de anta; seis espécies de primatas; nove espécies de edentados (tamanduás, tatus e preguiças). As duas espécies endêmicas, os roedores Kerodon rupestris e Wiedomys pyrrhorhinus, encontram-se hoje amplamente distribuídas na Caatinga. Até o momento também foram registradas 185 espécies de peixes (57% endêmicos) e 154 répteis e anfíbios.

“A identificação de áreas e ações prioritárias é o primeiro passo para a elaboração de uma estratégia regional ou nacional para a conservação da diversidade biológica, pois permite coordenar os esforços e recursos disponíveis para conservar e subsidiar a elaboração de políticas públicas de ordenamento territorial”, explica Inara Leal, professora do Departamento de Botânica da UFPE. “O processo de seleção de áreas e ações prioritárias é baseado em estudos multidisciplinares e em um processo participativo de tomada de decisão, onde áreas e ações são selecionadas com base no conhecimento de cientistas e de membros dos mais diferentes grupos da sociedade civil”.

A importância da conservação

De forma mais específica, a conservação da Caatinga é importante para a manutenção dos padrões regionais e globais do clima, da disponibilidade de água potável, de solos agricultáveis e de parte importante da biodiversidade do planeta. Infelizmente, a Caatinga permanece como um dos ecossistemas menos conhecidos na América do Sul do ponto de vista científico. “O resultado é que várias espécies encontradas na Caatinga estão ameaçadas de extinção global, como mostra a lista oficial de espécies ameaçadas do IBAMA, e uma espécie de ave está oficialmente extinta na natureza: a ararinha-azul (Cyanopsitta spixii). Esses indicadores refletem, de forma inequívoca, a ausência de políticas voltadas para a conservação da biodiversidade da Caatinga e de seus demais recursos naturais”, explica Silva.

Os cientistas identificaram 82 áreas prioritárias para a conservação da biodiversidade da Caatinga, das quais 27 foram classificadas como áreas de extrema importância biológica. As áreas prioritárias variam bastante em tamanho, desde 235 km2 até 24.077 km2. No total, cobrem cerca de 436.000 km2, ou seja, 59,4% da Caatinga. Hoje existem 16 unidades de conservação federais e 7 estaduais (concentradas na BA e RN) que protegem formações de caatinga e/ou ambientes de transição. Apenas a metade das unidades federais contém exclusivamente formações de caatinga, sendo metade delas de uso sustentável e metade de proteção integral. A grande maioria dessas unidades enfrenta sérias ameaças como: situação fundiária não resolvida, falta de verba para funcionamento e manutenção, funcionamento e implementação insatisfatórios para atingir os objetivos da unidade, caça tradicional para subsistência e esportiva, desmatamento e retirada de lenha e fogo.

Da redação do Nordeste Rural

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